Diante da possibilidade de intervenção do Estado na propriedade privada, a carta magna de 1988 instituiu, no artigo 182, §3°, o pagamento de prévia e justa indenização em dinheiro para as ações de desapropriação de bem imóvel urbano, uma vez que o objetivo do Estado é utilizar o bem privado em favor do bem público para uso do bem comum, obtendo a posse imediata do bem.
Por essa razão, as ações de desapropriação possuem prévia e justa indenização sobre o imóvel, até porque o cidadão não tem possibilidade de negar a “venda” do bem ao Ente público, em respeito ao princípio da superioridade do interesse público ao privado.
No entanto, a própria constituição no rol de pagamento de dívidas do Estado ao ente privado estabelece que os pagamentos serão realizados exclusivamente por emissão de títulos precatórios, vejamos: Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
Nesse aspecto, em ação que tramitou na comarca de Juiz de Fora/MG, houve choque dos institutos na ação de desapropriação promovida pelo Município contra particular proprietário de bem imóvel. Na citada ação, o Município depositou o valor que entendia devido nos autos, e, após a realização de perícia no imóvel, ficou constatado que o valor depósito era inferior ao valor de avaliação do imóvel e, consequentemente, da venda no mercado.
No primeiro momento, o juiz da origem determinou que a diferença dos valores fosse depositada nos autos, por meio de depósito judicial, porém, após oposição de embargos de declaração, o magistrado reconsiderou a decisão e determinou o pagamento por meio de título precatório ao final do processo, com a certificação do trânsito em julgado.
A discussão da incompatibilidade foi levada ao Supremo Tribunal Federal, através do Recurso Extraordinário de n°922.144, com tema de repercussão geral n°865, o qual ainda está pendente de julgamento.
O Ministro Roberto Barroso proferiu voto favorável ao recurso, sob o fundamento que o pagamento de indenização pela desapropriação de bem imóvel por utilidade pública é injusto com o particular pois, além da perda da posse do bem no início do processo, por valor que muitas vezes é desrazoável ao valor venal do imóvel, a ação de desapropriação possui longa tramitação, e, ainda, o pagamento dos precatórios é usualmente descumprido pelos Entes Públicos.
Ressaltou, ainda, que a sistemática atual para pagamentos de precatórios é ruim para o Estado, pois a desapropriação ocorre em certa época com certos governos, porém o pagamento só ocorre definitivamente quando o governante já é outro.
O ministro Ricardo Lewandowski acompanhou o voto do relator.
Os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Nunes Marques foram divergentes ao voto, sob o fundamento que a disposição do Art.100 da Constituição Federal deve ser respeitada.
Após o pedido de vista do Ministro André Mendonça na sessão de julgamento do dia 11.02.2022, o recurso está suspenso até a designação de nova sessão.
Com o provimento do recurso, a temática sobre incompatibilidade dos institutos trará grandes mudanças para as ações de desapropriação e seu prévio pagamento.
Por: Thaynara Ferreira - Advogada CMMM